domingo, 24 de agosto de 2014

a gente nasce quando quer. quando decide que nasceu na vida. o minúsculo mundo, o baú dos sonhos. trancafiavam com êxito os pequeninos sofrimentos. matéria prima de um possível diálogo com a cabeça apoiada no vidro. a grande fascinação do renascer é não enxergar o mundo com olhos de criança. enquanto essas nasciam. boa sorte. o relógio não se esquece de badalar meia-noite. olhar o cronômetro arrepiava a terceira vértebra como o puxão de cabelo pelas unhas esmaltadas. colhíamos o trigo apenas pelo deleite de olhar a vista. ao final do dia, o sorriso trabalhador quase que implorando por mais uma cerveja. o rosto infestado de sardas e as mechas louras sufocadas em tranças. cansados dos somente olhares negociados com as moças de riso forte e pálpebras frouxas, entendemos finalmente: lei seca americana alguma seria pior que a greve do sexo ditada por Aristófanes. a conclusão foi de que o ser(vidor) humano destruía a si mesmo pensando que poderia tornar a educação uma fórmula, ao passo que acabávamos conosco na companhia das prostitutas da beira de uma estrada qualquer. finalmente. finalmente nossa beleza não mais era marcada por nenhum vão lateral nas coxas, mas pelo excesso de gordura e o cabelo emaranhado. o querer em sua forma mais bruta. o de um sangue elitista que incessantemente salivava pelo gosto da caça. o som gordo que era a reclamação da doença social. a imitação do barulho de tosse. canalhas. mas não éramos todos? no dado instante em que dissemos que as ideologias eram ir fundo demais, tivemos de nos separar. tornamo-nos comuns. resto. nossa lucidez nunca foi saudável. havia uma espécie de úlcera causada pelo julgamento, infecções ocasionadas pelo extremismo necessário. insensível. sem sinto. sem cinto. o que faz você feliz?

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

o som do pneu desgastando o asfalto ecoava como um grito. o sim do pneu. grito contido. grito quase familiar. por pouco poderia ter saído da boca ao ter visto as duas crianças se pertencendo. crianças éramos nós. há quanto tempo? dois ou três meses? a maturidade precoce era culpa da falta de primavera na cidade seca e amarga. aceitamos a proposta doentia de desabrochar a flor que guardei com tanto zelo. motivo de chacota e amedrontamento nas vielas do bairro. à medida que o corpo florescia, o horror da solidão em meio ao entardecer. a natureza, sinto dizer, longe de ser perfeita. se fosse, ah se fosse. não teríamos nunca nos encontrado. nesses dias cotidianos, te avistei sorrindo com olhos indiferentes. indiferentes como um buraco negro que opta, por puro deleite, não devorar o planeta à sua frente. cheio de si e vazio de nós. foi amor exatamente como havia imaginado: seu um metro e setenta angustiado dentro da camiseta de botões e a bolsa transversal. foi amor porque doeu como um tiro no escuro. mal percebemos a sombra estampada na parede. havia luz: havia a consciência do erro e tapamos os olhos. um ao outro. amor porque, hoje, pode ser dito sozinho. te amei com todos os erros gramaticais e dissensos verbais imagináveis. como uma esteira que cobre todos os caminhos, corro tentando alcançar sua autonomia. estupidamente continuo no exato mesmo lugar que me deixou com seu toque métrico e eletrizante. posso dizer que te amo? permissão? te amo como entonaria um poema dadaísta cara a cara em Zurique. 1916. só sei amor. só sei, amor. sei que roubei teu nome com a cara delinquente. apenas pela poesia. o efêmero sentimento e os eternos rascunhos emaranhados. não te gosto, meu vazio nem mesmo arde. compro imaginações a preço do crack na zona norte carioca. rimo tão facilmente como o ecstasy que desperta quando tudo deseja adormecer. se nosso amor teve frutos, foram esses maçãs de Éris: pomos da discórdia. te amo pela arte. pelo som que o nome faz quando aperto os lábios, estalando e tocando o céu da língua pela sua primeira letra. nas esquinas em que te cruzo, o que refresca é a promessa de canonizar nosso desvio. “quem planta vento, colhe tempestade”.

sábado, 9 de agosto de 2014


Aqueles dias
em que o poeta
anda tão inspirado,
que poesia para a alma
é quase como
psicografia.
Simplesmente
por arte não ser
ciência,
nossa liberdade
torna-se
questão de decência:
aproximação
e afastamento
podem ser,
da terra,
nossa visão
em uma viagem
de balão.
Abandonamos,
sob a beira da estrada,
a definição
por metáfora,
essa prática,
estática,
de-sa-fo-ra-da.
E então
permitimos
que
dia e noite não signifiquem
vida e morte,
chuva
não seja sinônimo
de recomeço,
desejo concedido
não passe de sorte
e olhar da donzela
não termine em beijo.
Nada mais é proibido:
carnaval!
O vestido despido,
nosso rosto no mural.
Em resposta
a essa proposta,
nossa prece
acontece,
a nobreza
se descomporta
o atrevimento
arromba a porta:
crime!
Regras caladas,
fechadas
e trancafiadas.
A final confiança
para crer:
nossa rima
carente, desprovida
pobre,
desfavorecida,
se enriquece
em nome
do nosso querer:
ninguém mais
vai me dizer
como minha poesia
deve ser.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Oportunidade. Cantar para si mesmo na tentativa de espreguiçar o que amaldiçoou. O dia nascia e o céu chorava como uma criança desgarrada do peito da mãe. Por que tudo havia de parecer insensato?

Vivíamos em um cerrado constante sem estações definidas. A seca real era a do sentimento: há tempos não sentíamos o toque das gotas no coração. Épocas de má colheita. "Amanhã vai ser outro dia". Repito e apoio-me no sobreviver das superficialidades. Como se o cotidiano não tivesse problemas. Apesar de você.

Poderia alimentar-me de seus silêncios. Preferi, no entanto, servir-me de poesia. Ando de lado, por entre as ruas dessa cidade geométrica. Temo esbarrar em seus olhos abstratos. Liberdade. A semana começava e tudo era igual. Imaginava o porquê das fases, o porquê do ser humano ter sido, desde o princípio, fissurado por divisões e seus reinventos.

O novo início não fazia com que voltássemos ao ponto. A verdade é que, apesar do tempo que mascara a reconciliação, a ferida do que poderia ter sido não cicatriza jamais. A gente vai vivendo. Crendo na arte vendida e no sorriso amarelo. No manifesto e na mudança. Na ação e reação. Na existência do amor. Carregamos o peso do lixo sentimental e as sobras da paixão. Fingimos. Só queríamos acreditar. Queríamos que funcionasse. Queríamos querer. Logo nós, apaixonados por recomeços, só queríamos que a segunda-feira acabasse logo.

domingo, 27 de julho de 2014

Vai chegar o dia
em que a poesia
escorrerá
pelos nossos olhos.
O futuro mentido
chegará no frio, 
sem casaco,
sem botas,
sem luvas,
sem sentido.
A desculpa usada durante tanto tempo
sobre o amanhã diferente
que dá orgulho,
não passará da mais pura ilusão:
vontade de viver
em cima do muro.
Foram tantos anos,
sono, sonho, panos,
tecendo o mais belo vestido,
coisa de princesa,
estudando o amor:
matéria da realeza,
símbolo de nobreza,
para um dia,
no entanto,
os ratos,
raça da desilusão,
correrem dos esgotos
e roerem tudo aquilo
onde cabe um coração.
O ateliê fica vazio,
clientes desapropriados choram rios,
a monotonia
apropria-se do local.
Decidimos por seguir,
logo,
uma vida normal.
Cedemos ao encanto da rotina:
o que parecia tão maravilhoso,
transfigura sina.
Ah,
a infância
acabará.
É,
o destino
é
um verdadeiro
cabaré.
E já consigo desenhar a cena:
o vento frio entrando pela janela,
a TV ligada
discutindo a terceira guerra,
mente vazia
trabalhando em suas mecânicas diabólicas:
queimaremos todos os livros de amor
e acenderemos uma fogueira
em busca de calor.
Mais tarde,
olhando para ela,
perceberemos:
durante toda nossa vida
temos sido
a chama de uma vela.
O desejo pelo diverso apagará,
nada mais em nós
conseguirá queimar.
Os olhos
começarão a marejar
e nem o mais experiente dos marinheiros,
terá habilidade de navegar.
Os dedos congelarão,
surgirá a tentação:
às brasas
se jogar.
Pois não há força nesse mundo
que aguente o peso
da saudade do verão,
de um mar de desilusão.
O que um dia foi ruim
nunca mais se tornou bom.
Pele
que não sente mais toque
ou sensação.
O medo,
então,
esvair-se-á.
Atirar-se nela
será o momento presente.
O romance de que tanto falam
estará demasiadamente ocupado
para nos libertar:
assim se cumprirá a profecia
dos poetas
que tanto escreveram
sobre amar:
a própria vida
assassinar.
A rima perdida
finalmente encontrar.
Das mentiras passadas,
se desgarrar.
Sentir o acalento,
o real paraíso.
A morte
abraçar.
Sem mais
se preocupar,
à noite,
se a manhã

de
chegar.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Nota sobre o amor:
Amor é aquele cuidado distante, aquela preocupação vassala. A prontidão despertadora. O abrir dos olhos na noite que afasta e faz com que floresça um jardim interior regado pela falta. É a luz acesa, instantes após o pesadelo. Amor lacera. Impossibilita a fala. Amor não dialoga, poetiza. Marca o silêncio e destrói dos poliglotas toda a sua denotação. Tensiona músculos para o toque. Cruza estradas e apaga da memória caminhos. Amor faz perder-se. Amor esquece e faz esquecer. Inverna o verão se faz frio ao ser amado. Estremece o corpo, caso adoeça. Na mesma frequência. Coração que junto bate. 16 por 9. O verdadeiro amor não é grito: é silêncio no vácuo. Sorrateiro, por debaixo dos panos e sob tapetes. É embebedar-se de sobriedade para lidar com situações. É sorriso proporcional. Amor só é, não deixa de ser. É inteiro por bem e nem um pouco egoísta. O legítimo é ideal, é escolha de servidão. O verdadeiro amor é platônico.

domingo, 20 de julho de 2014

Contornou o corpo
com os traços que se perdem
em meio à veiculação.
Recuperou o tempo escorrido
em ralos daqueles
que impedem afirmação.
Sussurrou ao pé
do próprio ouvido
palavras de louvor.
O cinza da imperfeição,
coloriu como o primeiro dia da primavera:
de flor em cor.
“Amor é ninho”
e corpo é moradia,
perigo e ameaça,
mas lar do dia-a-dia.
Desacreditou
no cultivo de flores:
o verdadeiro jardim
é interior.
Não se fez
boneca de porcelana,
mas o asfalto deformado
pelas marcas do calor.
Em caso
do frio da madrugada,
a verdadeira faísca
era dentro de si.
Suspiro,
propriedade,
auto-tudo-o-que-fosse-bom.
Não havia mais
motivos para mentir.
“Mulher desgovernada,
sozinha na madrugada!”
Tudo o que ouvia
era “jovem libertada”,
tudo o que enxergava
era a tão vazia arquibancada.
As melhores poesias
eram egocêntricas.
Largou a escrita
para o garoto
A,
B,
C,
D.
Foi,
na noite
de domingo sem beijo,
o alfabeto inteiro.
Não se reduziu
a adjetivos fajutos
impostos pela mídia.
Corpo
não é pagão.
Corpo
é oração.
Livre de preconceitos
acobertados por opinião.
Percebeu,
então,
o excesso de vazios.
Parou
de preocupar-se tanto
com o tamanho
dos infinitos.
Dói.
Corrói.
Constrói.
Anulou
as frases com era.
Tornou-se
atemporal.
Ao distante passado,
acenou e deu oi.
Pela primeira vez
na vida,
foi.

Isadora Egler

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Só,
na tarde de domingo,
o
obstinado
abandonou.
Deixou-me,
com dores no colo,
prestes a um exemplar de agonia,
parto de risco:
dor.
Levou embora a reserva,
as economias,
tudo aquilo
que denotava
poesia.
O telefone tocava
e tudo o que ouvia
era a mudança,
voz alterada:
-Sinto muito, senhorita.
(Senhorita?)
O foragido que procuras
nada mais é
do que um péssimo ator.
Além de roubar,
tudo o que tinhas,
ao teu lado,
simulou amor.
Ora,
mas se o grande poeta
não passava
de um guerrilheiro
belicista,
como
me explica
os olhos
de artista?
Ou melhor:
se não passava
de um grande vilão,
como
desvenda
o fato
de ainda bater,
em meu peito,
um pulsante coração?
-Ah,
veja bem,
confiou na tentação.
Esqueceu os textos,
apelou pra sedução:
a imagem
do plebeu
ia do improviso
às loucuras por paixão.
Pudera!
O trovador,
então,
não chamemos de vilão!
Mas de verdadeiro comediante,
humorista
de esquina,
quinta
categoria.
A peça sobre desleixo,
nada mais era
do que embuste e armação!
As cortinas se fecham,
risos contidos
sobre a tentativa
de desesperança.
Nessa dança,
impostor,
sabe muito bem
da especialização
em não-amor.
Não entendeu
exatamente
como expressar
a essência
do chão duro.
Na verdade,
farsante,
o problema
é ter crido
piamente
naquilo
que é seguro.
Leve,
como nunca antes!
Abortei
a possibilidade
de um futuro.
Métrica mascarada,
no entanto,
não engana
apreciadores de sentimento:
a lição
da fábula malfeita
é orgulho ferido
que seu nome
consome,
afinal,
já dizia o velho
“É fácil ser poeta e
tão difícil
ser homem”.

 Isadora Egler


Tic-tac. Tic-tac. O relógio absurda cada segundo. Destruidor. Perverso. Como maquiavélica tentativa de lembrar-me os vazios eternos dentro de instantes. Milésimo a milésimo, atinge o êxito. A galinha quebrou ovos dentro de si mesma, como o poeta perdeu a poesia. A vida se esvai.
Diga-me, Clyde, não querias que fosse assim a minha prosa? Cheia de mágoa. "Dar voz ao escárnio da dor". Algemou-te ao tentador vazio. Preenchi-me com o sabor da incapacidade e o prêmio pela prova de fogo foi o silêncio da tua boca que abriga cigarros manchados de mentira. Testaste-me. Nem mesmo uma nota recebi. Uma nota melódica, quisera eu. O cantar dos pássaros calado pelas sangrentas mãos do inverno.
Passaste pela porta. Como Alice, lembra-te da poesia? Abafo o choro, o inquietar de pernas, a agonia corrosiva: de que maneira conseguiste? Sentes que estás a diminuir? Carregando um ego deste tamanho!
Se não aguentas a acusação, falso trovador, por que me feriste? É claro! A ilusória rebeldia. Deveria ter preparado tropas. Uma pena cair na ingenuidade de que soldado ferido não faz guerra. Armaste batalha muito previamente. Calculista. Calculado. Segui a estratégia do amor, enquanto foste liderado pelo desapego. Espadas à mostra: ataque à entrega.
Não fui Bonnie para ti. Recusaste a perda da inocência com copos virados e mãos entrelaçadas. Cigarros fumados e jogados fora. Uso. Estavas apenas sendo econômico, poupando o pouco sentimento que corre em ti. Disseste "jamais" e abortaste um futuro. Há um espaço que é teu e entendes muito bem o quanto infinitos são insubstituíveis. Pesadelos com teus olhos. Dor. Caso me encontre no peito da solidão, não me abrace. Fim. Reticências mortas.

sábado, 12 de julho de 2014


"I can't believe how you looked at me
with you James Dean glossy eyes,

in your tight jeans, with your long hair
and your cigarette stained lines...
Could we fix you if you broke?
And is your punch line just a joke?”

O grito contido, assassino. O fôlego aprisionado entre as ruas dessa cidade, consegues escutá-lo? Enxergar-me pendurando sorrisos nesse rosto sem retratos? O cheiro de podridão, dos restos teus exibidos em sinal de intimidação, em cada esquina da minha vida, consegues senti-lo? A alternativa única, obviedade em forma de simples escolha, é de que optas por fazê-los. Ou de que, em um caso talvez nem tão último, teus sentidos fecham a cara e invalidam-se para mim. Como a terceira margem do rio. Algo que observarias atentamente, ansiando pelo dia em que pudesses fazer-te coragem em sua forma mais concentrada. A grande lástima é que seguistes o caminho contrário à correnteza: correste assustado para o colo da mãe que desejava ser apenas biótica em uma realidade tão falecida. Conforto.
Não percebes? A realidade criada ao teu redor foi a ideia de aconchego nos desafios da vida. A indiferença, a luta já perdida, o caminho bifurcado. Desculpas sinceras por ter percebido o grande teatro. Más línguas dizem que homens são menos si próprios quando falando em primeira pessoa, dê-lhes uma máscara e a verdade se revelará. Ou se relevará, no caso de amor. Não poderia concordar mais. A viagem de um extremo a outro, a escrita acumulada, a morte juvenil. De uma capa que cobre o medo, não passariam. Perguntaste-me se estava nervosa. Ora, as atitudes não mentiriam. Não esconda, entretanto, a euforia. Poetas tem um quê de faro de detetive. São treinados para capturar emoção e fotografar com os olhos: no álbum das provas do crime, teu coração acelerado é a mais bela das evidências.
Apodrecerás na prisão que criastes para ti. Com a porta aberta ainda por cima, fingidor. Simplesmente porque o real aprisionamento está na mente. A saída fecha-se cada vez mais, à medida que te perdes na hipocrisia de tua ideologia mentirosa. Por que não largas a escrita, se és tão brilhante como ator? Tenho a impressão de que, nessa grande galáxia que é a vida, me guiei por uma estrela cadente. Atraente em todos os aspectos, o brilho dela quase fazia parecer que, por um instante, a desordem dos meteoros que insistem em colidir não havia. Faço, todos os dias, o mesmo caminho, procurando a pedra em que tropeçamos. Me perco. Perco tempo.
Entendes, alvo do meu caos, que chacoalhaste meu mundo e deixaste cair os últimos exemplares de esperança? Logo você. Logo poeta. Abandonaste-me com o desalento em alcançar oportunidades. Testou meu jogo, verificou excelência para que pudesse assumir cargos em tua vida. Uma forma de abuso sentimental: senti-me nua de certezas. Pensei (erroneamente) que pudesses salvar-me do nada que me tornei, enquanto acreditava ser tudo. A história, garoto dos lábios de nicotina, apenas me lembrou que é preciso ter cuidado com a dor gritante de sofredores. A verdadeira decepção arde, mas não berra. Nesse conto que jurei escrever como ouro gravado, posso ter cometido grandes equívocos quanto ao número de capítulos, mas sabes bem como sirvo para o cargo, menino dos cabelos longos. Limito-me à quantidade de parágrafos, mas deixo o melhor para o final, a revelação das verdadeiras personagens e o choque trágico: o amor se vai, mas a vingança bate à porta morrendo de saudades. 
"And I know that it's complicated
But I'm a loser in love
So baby raise a glass to mend
All the broken hearts
Of all my wrecked up friends..."
                       (Isadora Egler)

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ah, meu bem! Não se cansa dessa vida de eu lírico? Poesia pra lá, verso pra cá, beijo transformado em encontro de lábios, agonia, em olhos cerrados e dor, escorregão no chão de calcário... Não se cansa de traduzir meu choro com sorriso no rosto e bom grado? Se um dia, por acaso, fugisse de todo esse meu amor rimado, ora! Seria o pulo do gato! Dormiria uma manhã inteira, esperando o sonho que trouxesse a poesia perfeita. Entendo a exaustão, poderia até fingir que não tô nem aí, nem aqui, se você me ligasse. Mas a verdade, meu bem, é que não queria que você se cansasse.
(Isadora Egler)

Sabe o quanto gosto de escrever,
sei
o quanto gosta de matematizar.
Para tornar mais simples 
o entendimento,
decidi poetizar:
Ah, meu bem!
É que às vezes acho
que como número primo
nasci. 
Carregando a sina eterna
de um amor
dividir
por um só coração
ímpar,
isolado.
Quase um zero à esquerda.
E por mim.
Não vim à luz
para ser composta!
Não terei jamais
mais
de dois divisores.
No conjunto
dos números primos
[meus colegas solitários],
somos inteiros
sempre positivos,
problemas
e dores.

(Isadora Egler)

Vagabundo, sem vergonha. Roubou o dinheiro pra financiar a maconha. É um marginal, dizem. Malandro! Um mal educado, só não se esqueçam que a educação não veio do Estado. Faminto, desletrado, nem o nome sabia escrever. Nem mesmo imaginara que esse, tantas vezes, aparecera na tevê. A fome batia, Francisco corria pra praça a fim de abocanhar a próxima vítima. Não entendia, mas lá, sempre ouvia falar desses tais de elitistas. Aristocratas, incomodados com a presença de vira latas, ignoravam seu próprio existir! Nem identidade queriam pedir. "Ei, burguês babaca! Sua mãe tem pedigree?" Ora, que covardia! Todos sabemos da opressão que sofre essa classe branca noite e dia! Não é de rir? Consideram-se como nós! Injustiçados pela alegria. Anseiam o poder da fala, mas não desejam os anos de escravidão. Francisco podia ser preso, perigoso, apanhado. Seu sol, a partir de agora, tem permissão para nascer quadrado. Só pedia, coração, “que a lua para todos nós também nasça redonda”, afinal, cantamos felicidade, e sobretudo, pagamos a conta.
(Isadora Egler)

Durante todo nem tão santo dia, carreguei o fardo de ter como identidade a própria opressão. A afinidade com o oposto sempre foi motivo para enorme fragilidade: sexualidade como jarro de vidro, resultado: reclusão. A vida feriu-me de tal maneira que ainda pergunto-me se o próprio paraíso será digno de perdão. Sofri a dor da carne, do dilacerar, do julgar, do medo tão presente de não mais escolher a quem amar. Ora essa, vivem dizendo-me que o bem deve ser feito sem olhar a quem. Hipócritas! Tudo o que tem acontecido é o preconceito de pensamentos extintos e o enxergar banhado de desdém. Há uma sina como chama, a qual dentro de mim, insiste em incendiar. Abandonado sob a luz da promessa de um céu, odeio-me mais do que qualquer um possa odiar. Deveria me envergonhar. Deveria Me Envergonhar. Virar homem, macho alfa, ao exército me alistar, “Isso tudo é doença, É fase, Vai passar”. A liberdade, abdicar. Afinal de contas, não mais existe aquilo pelo o que marchar: a opção virou desrespeito, a família devemos salvar. Arrastem-me do mundo, que como máquina em fábrica abandonada, o afeto, em ódio, decide transformar. Razão para os olhos abrir não há. Calado, durmo só mais essa noite, com passagem comprada para o mundo belo em que igualdade não seja somente questão de privilégio.
(Isadora Egler)