domingo, 30 de março de 2014

"Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!"
 
Mário Quintana 
 
Falaram-me que amar é conhecer a necessidade do outro. Acreditei cegamente. Eu, que sempre tive minhas dúvidas a respeito desse toque que escraviza corações, não poderia encontrar melhor definição.
Nos dias de hoje, nas conversas de padaria, em uma cama às 11 horas da manhã de um dia que mais parece um domingo do que um daqueles feriados que não nos lembramos, mas que vez ou outra aparecem para livrar o cansaço, eis que surge o questionamento a respeito do tão polêmico "eu te amo". Estariam essas três palavrinhas realmente se transformando em "bons dias" que se dizem no elevador e são descaradamente e na maioria das vezes ignorados com uma promessa da  pressa que se faz presente? Ou somos nós mesmos os vilões que sabotamos nossos corações atribuindo um valor tão pesado a elas?
O dizer que se ama não deveria ser feito de forma tão custosa e determinante. Não digo que deveria sair tão naturalmente como um xingamento no meio de um engarrafamento. Amor é a faca e o queijo na mão para que nos tornemos felizes. Amor é puramente o saber o que o outro precisa. É deixar explodir. Isso me leva a pensar: não deveríamos esquecer essa etiqueta toda ao redor de um sentimento que deveria tornar-se intrínseco?
Deixem que exploda. Que chova e que molhe, lavando a alma e levando tudo de podre pelo ralo. Que não apague, porém, a chama de quem vive sem medo da entrega. Deixem com que o amor saia por aí dançando na forma de sorrisos e gentilezas. Criem carnavais durante as horas mais demoradas de dias tão carregados de rotina. Amem, e amando, formem seus casulos para que, um dia, acordemos todos juntos e espalhemos com um simples bater de asas a força de gestos delicados em um mundo tão cego.

quinta-feira, 27 de março de 2014

"Júlia gostava de poesia e de discutir metafísica. Era, mas não sabia. Acreditava que a oportunidade de viver em um mundo como o nosso deveria ser justificada. Tentava entender a sociedade moderna, o capitalismo e Karl Marx. Nietzsche era o seu maior ídolo. Gostava de dias ensolarados, mesmo que seu peito carregasse uma nuvem negra. Aturava a realidade andando em uma corda bamba chamada 'arte'.
Perguntava-se como o homem, nesse jogo de opostos, desejava ser tão racional, não saber nada sobre amor e falar sobre sabedoria. Era de uma doçura imensurável, não sabia ferir os outros. Embora fizesse coleções de cicatrizes por ter tocado algumas pessoas. Júlia caía abismos inteiros sem soltar um choro. Todavia, desabava em lágrimas ao encostar em uma pétala. Sua sensibilidade era excessiva, tudo lhe atingia como um furacão. Um conselho: tirem suas mãos de Júlia.
Encarava a dança como uma deusa. Achava linda a rima que formavam os movimentos. Era completamente louca pela ideia de que o amor sem rótulos poderia mudar o curso de uma vida inteira. Defendia o pensamento de que alguém poderia completa-la, sem saber que se bastava. Vivia perdendo-se entre promessas do que aparentava ser uma história de amor. Se esquivava, entretanto. Isso nem ela poderia explicar.
Certo dia, Júlia se apaixonou. Ou pelo menos se apaixonou pela ideia de se apaixonar. Quem via comentava o quanto era linda a melancolia da menina que descobre o amor. Olhava para a lua com olhos de sereia, implorando por um sorriso de volta. Descobriu cedo que o amor não tinha nada de maravilhoso.
Juntou suas mágoas em uma mala e seguiu viagem, tropeçando muitas vezes ainda. Não perdia essa estranha mania de acreditar. Ganhava, aos poucos, malícia para encarar a estrada sozinha. Sem se dar conta do perigo, acabou por encontrar um acompanhante.
Pedro era um sujeito simpático. Trazia em sua bagagem um amontoado de corações partidos e um charme sem medida. Seus olhos verde esmeralda expressavam o ritmo agitado de um mar. Saciavam, porém, o âmbito de Júlia por calmaria. Ele cuspia palavras atraentes e possuía um estranho hábito de transformar noites frias em lares aconchegantes. Era habilidoso como ninguém e acabou por fazer Júlia se convencer de que poderia costurar uma colcha macia a partir de todos os seus retalhos.
Brincava e transformava todos os embolados de medo e insegurança de Júlia em confiança. Transfigurava choro em amor. Conseguia chaves para baús esquecidos. Exploravam, juntos, o mundo, como dois piratas com a promessa do desapego. Júlia nunca fora muito boa em cumprir promessas. Pedro tornava-se cada vez mais essencial.
Pedro partiu.
Partiu seu coração. Fê-la acordar, abandonada, sem ao menos uma carta que justificasse a pressa. A notícia veio para Júlia como um tsunami. Nunca algo doera tanto em seu peito. Devastou a sua alma. Causou rasgos irreparáveis. Fez com que se programasse para não mais se entregar com tanta intensidade. Esperou meses por sinais de fumaça. Seus olhos se acostumaram com o dolorido das olheiras. Chorou oceanos, se martirizou. Não conseguira ser para ele. Matou  o resto de esperança e acelerou, com aquilo que chamava de coração em um altar particular.
Desfez-se de velhas manias, abandonando-as em cada lugar que passava. Conheceu castelos, fez-se rainha. Deslumbrou-se com lutas e notas musicais. Viveu uma inconstância constante por muito, muito tempo.
Um dia o sol decidira nascer diferente.
Júlia cedeu a um desejo carnal, um  mero capricho do coração e acabou misturando todos os sentimentos dentro de si. Significaria isso algo para ela, que lutou tanto pelo desejo da solidão? Assustou-se. Recuou. Balançou-se entre ser um turbilhão ou manter o silêncio.
Guilherme era um garoto vivido. Trazia consigo uma vida inteira de análises, além de promessas de mudanças. Estava profundamente envolvido e disposto a escalar muros e alcançar a sensibilidade de Júlia, que, por sua vez, começava mais uma vez a se entregar, mas seguia no papel de atriz hollywoodiana em sua performance de mocinha.
Havia uma luta inacabável em sua mente. Guilherme coloria o seu coração com a aquarela mais rara e fazia bem a ela. Poderia Júlia pelo menos esforçar-se para corresponder? Não sabia. Seu coração sempre esbravejara forte por Pedro, que não tinha olhos para ninguém além de si mesmo. Seu simples toque, porém, talvez valesse mais do que o mundo por completo de Guilherme. E desse modo continuava Júlia, com um punhal de dúvidas cravado em seu coração e uma sede que não poderia saciar-se: a da liberdade de ser exatamente o que se é. Seu combustível? A esperança de que algo pudesse mover seu coração."
Isadora Egler

quarta-feira, 26 de março de 2014


"O que fazer quando a 'invencionática' não é forte o suficiente para vencer a acomodação? Transformar a guerra entre o medo de ir e o medo de ficar nas analogias mais furadas e transfigurar a dúvida em prosa?
Ando cansada de olhares que arrancam pedaços e se alimentam, na busca por conseguir um vazio irremediável. Ando cercada de gente preenchida apenas pela aparência das coisas. Ando buscando o que possa me mover em alguma direção, porque há tempos sinto-me como um navegador perdido em um mar de ilusões onde os ventos nunca param de soprar para o sentido oposto. Ando com a cabeça baixa. Às vezes o mundo é o lugar errado.
Estamos constantemente sendo derrubados por um canhão de fatos e de dias normais. O cotidiano nunca me encheu. Vai ver é culpa dessa necessidade tão louca de um ritmo frenético que possa dar alguma razão ao viver. Mas nem sempre viver tem razão. Quem dirá encontrar uma justificativa.
Temos medo do acelerado. Do turbilhão. Do arrebatador, que te deixa de quatro com a cabeça entre as mãos sem saber o que fazer. Daquilo que encurrala. Por isso vive-se de modo tão gritante em relação aos outros. Brigas, nós que atam e desatam, romances esgotados que são finalizados como uma história melancólica. Acontece que, em um mundo tão chamativo, onde os passageiros continuam criando suas próprias bolhas e seus próprios repertórios, extravaso interrogações. Crio adjetivos novos. Invento abrigos em canções e palavras. Travo na melhor parte de um filme articulado no meu coração. Vivo gotas d'água como quem dorme um cochilo das 16 horas de um domingo.
Não fui criada para infinitos. Realço incertezas. Quantas vezes já não me entreguei enquanto esperava com que a insegurança e o passo maior que as pernas me rasgassem? O sistematizado e a criação de uma ideologia são muito tênues para mim.
Espero pelo baque que possa mudar a minha vida. Pelo pontapé que me leve ao caminho certo. Pela chance de não maquiar as coisas. Pela oportunidade de ser, sozinha no mundo. A revolta pela excelência é tão grande que às vezes machuca como uma punhalada nas costas.
De vez em quando o mundo parece irreconhecível. Normalmente quando os desejos decidem dar as mãos e mudar de uma hora pra outra. De repente, o que era antes tão explosivo e sensível clama por um pouco de calma. E de repente, calma não é o suficiente. Essa variação, na maioria das vezes, machuca. A complexidade de vociferar por mudanças me faz procurar por alguém que me ache.
Saber do lugar reservado no coração de algumas pessoas não me satisfaz. Criar situações dramáticas me irrita. Me pego, entretanto, constantemente nesse ato. Repetindo os mesmos erros de achar que a vida é uma novela e limitando-me a uma visão egocêntrica e sem nexo algum, me transportando para um mundo que não existe. Com quantas dores se faz um coração?
O impedimento causado por uma emoção indescritível me cala e escreve um poema com o meu silêncio. Esse fato é imutável. Preciso de palavras. Ainda que elas não falem, não falham. E a força que carrega um choro em forma de rima, ninguém nunca vai entender.
Dou à tristeza o nome de "calma", para que não perceba o buraco que causa. Amores e desamores nunca foram a questão. Muito menos falhas. É só a tempestade que vem junto a vontade de ser  algo que não sei bem, que surge na luz da madrugada. Fechei-me no meu querer de modo tão intenso, que o diálogo é uma penitência para mim. Não existem coordenadas para tentar entender o lugar onde estou, apenas sentimento.
Minha situação é sempre tão estável. É como se o meu coração fosse um país fechado à politica externa. E que, por sinal, sempre se deu muito bem. Todavia, falta algo. Como um excesso para transbordar a estabilidade e longos períodos do comum.
Mais uma dose de monotonia, por favor. É forte, sim. Intenso. Mas já nem queima como antes, me acostumei. E imagino que todos aqueles que não tomam cuidado com uma alma esteta, se tornam dependentes. Preciso disso. Mas talvez também precise de ajuda. Não me olhe assim, eu não quero ser mais uma vez a menina com as migalhas. Se existe uma mínima chance, me salve. Se ao olhar em meus olhos, enxerga uma cor diferente, me arraste e me mate de amores. Fuja comigo. Mas se não aguenta o tranco, mantenha distância. A ressaca moral é constante. O primeiro passo é negar ajuda. Chorar lamentações nunca foi o meu forte. Obrigada."
Isadora Egler

domingo, 23 de março de 2014


"Ninguém entende
que o poeta
é um louco
varrido
por palavras
 
que se carrega
pelo mundo
viaja cantos
explora verbos
com suas asas
chamadas
'aspas'?
 
deixem o poeta gritar
que ama o desconhecido
deixem que ele diga
o que não pode ser dito,
mas escrito.
 
o poeta
é um mal educado
tem licença,
mas entra com pressa
com quem diz
que o amor
não pode esperar.
 
é livre
como um prisioneiro
refém
do seu cotidiano.
vocifera
pedindo
com todas as letras:
só se faz a realidade
com utopias
dita
e diga!
Só se forma o dia-a-dia
com analogias."
Isadora Egler

"Meu corpo
é sujeito
que clama
pelo seu verbo
intransitivo
que não precisa de complemento
somente adjunto
que dentre todas as análises
indica:
eterno."
Isadora Egler

terça-feira, 11 de março de 2014

"Humanas  sempre me interessaram. Acho que nasci para lidar com gente, não com cálculo. Não sei calcular a demência que se precisa para lidar com um mundo tão conturbado. Só sei que vivo. E vivendo, me faço ser cultural e social, que tem fome de histórias e do desejo de defender a subjetividade em um mundo tão teórico.
Sou toda a prática que se aplica no cotidiano. Olhares que levam a beijos que levam a guerras que levam à morte e que levam à compaixão. Sei bem que resolvo, mas não sou resolução. Gosto do jeito como palavras se encaixam e brincam com as mil e uma fantasias de "era e não era". E como eras passam em um piscar de olhos quando amamos. E como o amor nos deixa inconsequentes a ponto de nos fazer sábios para falar sobre conhecimento. E como o conhecimento nos leva a tais psicologias que nos fazem querer falar de sentimentos em um mundo onde cada vez menos percebemos a doce ilusão de sonhar acordado.
Sensibilidade acima da razão, sempre. Me chamem de insana, mas não me neguem o simples desejo de lidar com o complicado. Eu me reinvento, e a cada dia, me torno mais dona de mim mesma em um mundo que luta por muralhas de certezas."

sábado, 8 de março de 2014

"'Tudo bem até aqui?'
'Sim', eu respondi
na maior ingenuidade
sem saber que o até aqui
Era, na verdade,
sem ti.
 
Queria eu
me convencer
de que posso estalar os dedos
e seguir essa trilha
sem você.
 
Mas já não somos tão infinitos assim.
Perdemos nossa mania de unir versos
já não somos mais
inacabáveis universos.
 
No meu peito,
 já não se fala mais de confiança
que não pode mais
ser liberta
nem com a mais alta das fianças
 
Não me meta nisso,
nessa amarga ilusão
chamada
realidade.
Escuta, pelo menos uma vez,
essa insanidade
que temos como coração.
 
Não se limite a um copo vazio.
Seja toda aquela chaleira de leite fervente
que transborda
e enche vazios
com toda a demência
dessa gente inconsequente.
 
Em seu peito, já te aviso:
mora um templo.
E não esse quarto escuro e vazio
que insiste
em ser redecorado
pelo tempo."
Isadora Egler

terça-feira, 4 de março de 2014

"Não me leve a mal,
me leve às alturas.
Me leve a Marte,
me leve à loucura.

Não me fale de 'porquês'
Em um mundo tão convidativo.
Me mostre essa dança
Me canta
Mexe comigo 
Me balança.

Não me diga aonde vamos
Me olhe com seus olhos 
Que insistem em ser tão 'quase'.
Me fale no ouvido sobre
portos,
morros
e
encaixes.

Me fale de amor
Com seu maxilar
Maximiza a mim de cor em cor
até chegar no azul
que chamamos de mar.

No final,
Me dê um beijo
Me morda
Me bagunça
Me torça

Que do meu latejo, moço
cuido eu.
É carnaval
E não precisamos de nenhum aval
Pra você gritar sob a luz das estrelas
Que seu amor é meu."

Isadora Egler